quarta-feira, 4 de maio de 2011

A Morte de Bin Laden e o Direito Penal do Inimigo

Indubitavelmente se teve um assunto corrente nesta semana foi a morte de Osama Bin Laden, inimigo número um dos Estados Unidos da América. O fato é um marco na "Guerra contra o Terror" iniciada com as reações americanas ao ataque às torres gêmeas, em Setembro de 2001.

A morte de Bin Laden também traz questões jurídicas de profundo peso, cuja abordagem se sobressai ao direito de guerra e entra também na esfera do direito penal, mormente quando comparado com a corrente do Direito Penal do Inimigo, de cunho pós-finalista e cujas bases teóricas são atribuídas ao penalista tedesco Günther Jakobs.

Longe de esgotar, ou até mesmo querer elaborar um ensaio a respeito dessa corrente do direito penal, é mister estabelecer alguns marcos da corrente em cotejo, cuja "estreia" acadêmica, de fato, deu-se no ano 2003, com a publicação da obra "Direito Penal do Inimigo". Em apertadíssima síntese, poderíamos eleger/elencar as seguintes características do Direito Penal do Inimigo: a) é um direito penal do autor, ou seja, não se pune o deliquente por um fato típico, antijurídico e culpável, mas se pune tão somente pelo o que ele é e não pelo que ele fez; b) a culpabilidade não passa mais a ser o limite de atuação do direito penal, ou seja, não se pune mais baseado na culpabilidade do sujeito-agente e sim na periculosidade que este possa representar ao "sistema"; c) não é um direito penal que pune o fato em si, enquanto conduta delitiva ocorrida em determinado momento histórico (retrospectivo), e sim um de cunho prospectivo, cujo mero perigo do perigo - em razão da caracterização de alguém ou alguma classe como inimiga - já legitima a intervenção/repressão estatal. Outra importante cacterística citada por Damásio E. de Jesus (2008) é que se legitima com mais frequência a imposição de medidas de segurança, o que faz possível extrair que o criminoso - ou o inimigo - não é um mero agente que agiu em desconformidade com o direito vigente e tutelado pela norma penal, mas sim alguém perigoso e que merece até tratamento. Outra interessante ponderação feita por Damásio (2008) é que o direito penal do inimigo se inclina à punião de atos meramente preparatórios e justifica até mesmo a imposição de penas mais severas para esta tipologia delitiva do que para aqueles em que de fato houve a agressão ao bem jurídico penalmente tutelado. Luís Flávio Gomes (2005) vai além e diz que o inimigo, para a corrente penal em apreço, não é mais um cidadão, sujeito de direitos, e sim "objeto de coação". Assim, o cidadão que delinque ainda estaria alberguado pelas proteções constitucionais, como a ampla defesa e o contraditório, ao passo que o inimigo, ao delinquir: "perde esse status (o importante é só sua periculosidade)".

Ora, e quem são os inimigos? É justamente a definição da classificação de determinado crime/sujeito como um delito-agente apto a caracterizar seu autor como inimigo ou como um deliquente comum que demonstra uma das bandeiras mais perigosas do Direito Penal do Inimigo. A escolha, ao fim e ao cabo, é meramente discricionária de cada Estado e será influenciada de acordo com a ideologia reinante em cada Estado. Segundo Luís Flávio Gomes (2005): "Em poucas palavras, é inimigo quem se afasta de modo permanente do Direito e não oferece garantias cognitivas de que vai continuar fiel à norma. O autor [Jakobs] cita o fatídico 11 de setembro de 2001 como manifestação inequívoca de um ato típico de inimigo". Nota-se, portanto, que a eleição do inimigo passa por um verdadeiro critério discricionário. Ademais, não se pode olvidar que muitos já ocuparam esse papel, como, por exemplo, as mulheres, queimadas como bruxas durante o Santo Ofício. Aliás, nota-se, em alguns países europeus e até mesmo algumas unidades federativas americanas, que o inimigo em voga não é ninguém mais, ninguém menos do que o imigrante ilegal.

A ideologia do direito penal do inimigo demonstra, destarte, um total descompasso com postulados mínimos do Direito Penal de cunho garantista. O Direito Penal deixa de ser "do fato" e passa ser "do autor", deixa de ser retrospectivo para ser pro futuro. Existem outras importantes bases do Direito Penal do Inimigo de cuja exposição nos furtamos, mas, apenas para aguçar a curiosidade, boa parte da doutrina de Jakobs está sedimentado filosoficamente nas teorias contratualistas, vez que "os inimigos" teriam o condão de abalar as estruturas do próprio pacto social, impondo-se, então, um tratamento diferenciado.

Mas, depois de toda esta pequena exposição, qual seria a relação do inimigo e o falecimento de Bin Laden? A relação é justamente que a morte do inimigo estadunidense, sem qualquer julgamento, em ato que poderia até ser comparado a uma execução, e a comemoração que tal ato despertou em diversos países, incluído aí até mesmo o Bloco Europeu, demonstra que a ideologia de Jakobs está longe de estar trancada nos porões da academia. A morte do Inimigo é não só justificada pelos Estados Unidos e demais países que manifestaram seu apoio à operação, como também é comemorada, um verdadeiro menoscabo ao Estado Democrático de Direito e as garantias fundamentais do cidadão. A atrocidade do atentado de 11 de Setembro de 2001, por maior que seja, não tem o condão de extirpar os direitos e garantias fundamentais de quaisquer de seus autores, que devem ser julgados e, caso condenados, submetidos às penas legalmente previstas. O deliquente pode desrespeitar a Constituição e os direitos fundamentais - e quando assim age deve ser submetido a julgamento pelo juízo natural e respeitadas as demais garantias, como o contraditório e a ampla defesa - o Estado, ao revés, deve respeito incondicional aos postulados constitucionais, sob pena de regressarmos aos tempos do Código de Hamurabi e passarmos a considerar nossas constituições, como na concepção lassaleana, como mera folha de papel.

Fontes:

GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal do Inimigo (ou inimigos do direito penal). Revista Jurídica Unicoc, Ano II, n.º2, 2005. ISSN 1807-023X

JESUS, Damásio E. de. Direito penal do inimigo. Breves considerações. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1653, 10 jan. 2008. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/10836. Acesso em: 3 maio 2011.

3 comentários:

  1. Excelente, Leo! Adorei o texto... E o pior é que o tratamento do sujeito que delinque como inimigo, tem sido amplamente difundido pela mídia... No Brasil, tem sido muito comum escutarmos frases como "bandido bom é bandido morto"! Expressão de senso comum, e, indiscutivelmente, inconstitucional... Parabéns pelo texto.

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  2. infelizmente são respostas prête-à-porter para problemas nada novos...:)

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  3. parabéns leo, adorei o texto ;)

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